domingo, 15 de novembro de 2009

Brasil e África do Sul, sedes da Copa do Mundo, usam táticas impiedosas contra o crime

10/11/2009
Jens Glüsing, Mark Grossekathöfer e Horand Knaup

Policiais confrontam traficantes durante operação na favela Vila Cruzeiro, no bairro da Penha, no Rio de Janeiro; mais de 40 pessoas morreram nos últimos confrontos em favelas da zona norte, que tiveram início no dia 17 de outubro

Há 50 assassinatos por dia na África do Sul, o país sede da Copa do Mundo de futebol de 2010. E o Brasil, sede tanto da Copa do Mundo de 2014 quanto das Olimpíadas de 2016, também sofre com a violência extrema. De olho nos eventos de grande peso, os dois países agora estão tentando reprimir o crime desenfreado - e estão usando táticas impiedosas para fazê-los.

Uma orquídea, um laptop e uma Bíblia adornam a mesa de Pricilla de Oliveira Azevedo. Ela está vestindo o uniforme azul da Polícia Militar, mas não há arma visível em sua pequena sala. Seu território é a Favela Santa Marta, em um morro no coração da zona sul turística da cidade brasileira do Rio de Janeiro. Do alto do morro, há uma vista magnífica do Pão de Açúcar, da estátua do Cristo Redentor e da praia de Copacabana.

Até o final do ano passado, o Comando Vermelho, a maior e mais antiga organização criminosa da cidade, controlava Santa Marta, uma favela com uma população de cerca de 10 mil. A rua que leva ao morro começa atrás de uma escola alemã. Crianças-soldado que trabalhavam para o narcotráfico costumavam montar guarda nos pontos de acesso à favela, vestindo camisetas e sandálias, com rifles Kalashnikovs pendurados nos ombros e pistolas presas no elástico de suas bermudas. A poucos passos da rua principal, elas vendiam cocaína, crack e maconha.

Hoje Azevedo, 31 anos, controla o bairro. Ela comanda 120 policiais que atualmente patrulham 24 horas as ruas estreitas da favela. Os moradores os cumprimentam educadamente e pedem ajuda em caso de violência doméstica ou quando a música do vizinho está alta demais. Não ocorre um assassinato no bairro há mais de um ano. Azevedo comanda a primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Essas unidades são um trunfo do Rio para a Copa do Mundo de 2014 e para os Jogos Olímpicos de 2016.

Perigosa demais
Os moradores da cidade ficaram extáticos há um mês, quando o Rio foi nomeado sede dos Jogos Olímpicos, derrotando concorrentes como Chicago, Tóquio e Madri, ainda mais do que ficaram há dois anos, quando o Brasil foi escolhido como sede da Copa do Mundo de 2014. Rio já tinha se candidatado aos jogos duas vezes antes e agora tinha sido bem-sucedido, trazendo as Olimpíadas pela primeira vez à América do Sul. Agora, finalmente, o vôlei de praia será jogado na praia mais famosa do mundo, tendo como fundo o sol, o oceano e palmeiras.

Mas a euforia mal tinha passado e os críticos começaram a se manifestar em grande número. Conceder os Jogos ao Rio, eles disseram, não era um exemplo de política moderna do esporte, mas pura loucura. A cidade, eles argumentavam, é perigosa demais.

Foi a mesma história há cinco anos e meio, quando a Federação Internacional de Futebol (Fifa) decidiu realizar a Copa do Mundo de 2010 na África do Sul. O país apresenta uma das mais altas taxas de criminalidade do mundo, com 200.319 assassinatos cometidos nos últimos 10 anos. É possível elogiar a decisão da Fifa como uma forma de ajuda ao desenvolvimento, ou simplesmente chamá-la de negligente. Para afastar essas dúvidas, o Brasil e a África do Sul devem encontrar formas de garantir a segurança de torcedores e turistas.

O Rio de Janeiro, com seus 6 milhões de moradores, é uma das cidades mais violentas do mundo, um local onde assaltos, assassinatos e sequestros são rotineiros. Ocorreram 5.717 assassinatos no ano passado no Estado do Rio de Janeiro. Os cartéis das drogas controlam cerca de 300 das mais de 700 favelas e os chefões das drogas empregam milhares de soldados, alguns deles armados com bazucas.

Confronto violento
A brutalidade com que gangues rivais tocam seus negócios esteve novamente evidente em meados de outubro, em uma favela chamada Morro dos Macacos. Duas gangues rivais do narcotráfico travaram uma batalha armada na favela, abatendo até mesmo um helicóptero da polícia com suas metralhadoras enquanto ele tentava realizar um pouso de emergência em um campo de futebol próximo. Ao final do confronto que durou uma semana, pelo menos 21 pessoas tinham morrido.

A cidade agora planeja ter mais de 60 mil policiais, incluindo unidades como a dirigida pela capitã Azevedo, patrulhando as ruas na época da Copa do Mundo de 2014. Haverá 1.000 câmeras instaladas, das praias até as áreas residenciais mais importantes, para ficar de olho nos pontos problemáticos. Todas as delegacias serão equipadas com computadores, e a polícia, as autoridades de trânsito e bombeiros estarão todos conectados em uma rede comum de computadores, o que não acontece no momento.

A cidade também quer comprar duas aeronaves não-tripuladas para vigiar as favelas do ar. Após a violência no Morro dos Macacos em outubro, o ministro da Justiça, Tarso Genro, anunciou que R$ 250 milhões serão destinados a programas de ação imediatos. "Nós queremos melhorar permanentemente a segurança da cidade, não apenas por três ou quatro semanas", diz José Mariano Beltrame, o secretário de Segurança Pública do Rio. Ele soa confiante.

'Um problema anormal de criminalidade'
O presidente da África do Sul, Jacob Zuma, buscou transmitir a mesma confiança em um discurso feito em Pretória, há um mês. Mas a África do Sul, diferente do Rio, carece de tempo para operações de longo prazo; o pontapé inicial será em menos de sete meses, em 11 de junho de 2010. Zuma, fazendo uma pistola com seu polegar e dedo indicador, disse: "Nós temos um problema anormal de criminalidade na África do Sul. Logo, devemos aplicar medidas extraordinárias".

De abril de 2008 a março de 2009, 18.148 pessoas foram mortas na África do Sul, ou uma média de 50 assassinatos por dia. A polícia também registrou 70.514 crimes sexuais, mas acredita-se que o número de casos não informados seja muito maior. Na província de Gauteng, onde há três estádios da Copa do Mundo e onde a seleção alemã planeja ficar, o índice de homicídios aumentou 6%, o número de roubos residenciais aumentou 11% e o número de assaltos a lojas aumentou 22%.

Quase dois terços de todos os homicídios acontecem nas cidades. As favelas com maiores índices de homicídio ficam vizinhas das cidades onde as partidas serão realizadas no próximo ano: Umlazi, nos arredores de Durban, e Nyanga, perto da Cidade do Cabo. A violência também tomou conta dos bairros residenciais de luxo, onde os moradores buscam se proteger com câmeras de segurança, cercas elétricas e cães de guarda. Neste ano, Force Khashane, um jornalista de renome nacional, foi morto com seis tiros em frente de sua casa.

Novos padrões
O governo tomou medidas para combater a violência. A polícia gastou o equivalente a 115 milhões de euros apenas na Copa do Mundo, comprando 10 canhões de água e seis helicópteros. Para melhorar a qualidade da força policial, cujos policiais são conhecidos pela demora para chegar à cena de um crime, os padrões de contratação foram endurecidos. Mas 41 mil policiais adicionais que patrulharão os estádios da Copa do Mundo no próximo ano, e que frequentaram programas de treinamento acelerado, não são afetados pelos novos padrões.

O exército foi chamado para fornecer segurança adicional durante a Copa das Confederações em junho, uma espécie de ensaio para a Copa do Mundo. Para o evento do próximo ano, o FBI, o Escritório Federal de Polícia Criminal (BKA, na sigla em alemão) e a Scotland Yard britânica orientarão os sul-africanos sobre como melhor proteger os estádios e as áreas turísticas.

O presidente Zuma decidiu adotar uma posição mais dura no combate ao crime. Logo após tomar posse em maio, ele nomeou Bheki Cele como seu novo comissário de polícia, um linha-dura que às vezes se refere aos criminosos como "baratas" e orienta os policiais a "atirar neles na cabeça". Quando a polícia matou recentemente seis criminosos enquanto tentavam assaltar um carro-forte, ele disse aos homens: "Bom trabalho".


Cele está trabalhando sob alta pressão e com apoio explícito do presidente, para esboçar uma lei que permita aos seus policiais retaliar independente das circunstâncias, o lema sendo "atirar para matar". Segundo a lei atual, os policiais sul-africanos só podem atirar se eles, ou as pessoas ao redor deles, estiverem sob ameaça. No futuro, criminosos violentos também poderão ser baleados se tentarem fugir - e não apenas nas pernas.

Retomando as favelas
A força policial do Rio não é mais delicada, tendo matado cerca de 1.100 pessoas no ano passado, quando começou a invadir e ocupar as favelas. Mas o governo também enviou assistentes sociais para a favela de Santa Marta, a companhia elétrica legalizou o fornecimento de eletricidade, a companhia de água instalou um novo sistema de coleta de esgoto e a coleta de lixo agora chega até mesmo às partes mais remotas da favela. Agora há um bonde que sobe até o topo do morro, parando em cinco estações ao longo do trajeto. "Passo a passo, a cidade está retomando as favelas", diz José Mariano Beltrame, o secretário de Segurança Pública do Rio.

Cinco favelas foram pacificadas usando medidas semelhantes nos últimos meses, incluindo a Cidade de Deus, uma favela que ganhou fama devido ao filme de mesmo nome. Quarenta e sete outras favelas estão na lista de prioridade da cidade e quatro deverão ser ocupadas até o final do ano.
As maiores e mais difíceis favelas ainda estão por vir: a Rocinha, o Morro do Alemão e o Complexo da Maré. Cada uma dessas favelas gigantes conta com cerca de 100 mil moradores e os chefões das drogas que as controlam possuem um arsenal militar diverso à sua disposição. A via expressa até o aeroporto internacional do Rio, que passa diretamente pelo Complexo da Maré, frequentemente é fechada por causa dos combates armados e os motoristas são frequentemente assaltados enquanto ficam presos nos congestionamentos.

Boom imobiliário?
A Rocinha fica ao longo da principal rota entre a zona sul do Rio e o bairro da Barra da Tijuca, onde a maioria dos eventos ocorrerá durante as Olimpíadas. O governo federal está investindo centenas de milhões de reais na urbanização da favela, mas a ocupação é um passo que a polícia reluta em dar. A gangue do narcotráfico da Rocinha é considerada uma das mais bem-armadas da cidade.

Se as autoridades conseguirem pacificar a Rocinha, a favela - localizada em frente a uma das áreas residenciais mais caras da cidade, entre um country club e a praia - poderia experimentar um boom imobiliário antes da Copa do Mundo de 2014. Em Santa Marta, a favela sob controle da capitã Azevedo, os preços dos imóveis subiram desde o início da ocupação policial. Nos endereços mais altos no morro, com vistas do Pão de Açúcar, um barraco antes podia ser comprado por cerca de R$ 20 mil. Os preços agora triplicaram.

Tradução: George El Khouri Andolfato

Der Spiegel

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