Pesquisas a bordo do navio Esperanza buscam coletar informações que inviabilizem a exploração de petróleo na região
PRESA A UMA CORDA, DRAGA É LIBERADA COM A AJUDA DE UM GUINDASTE À BORDO DO NAVIO ESPERANZA (FOTO: FELIPE FLORESTI/REVISTA GALILEU)
Nos dias 12 e 13 de abril, os trabalhos à bordo do navio Esperanza, do Greenpeace, tinha um foco:lançar uma pequena draga — uma espécie de pá que se fecha ao colidir com o fundo do oceano, coletando o que encontrar lá em baixo —, mas não é uma tarefa simples.
Estamos navegando sobre a área norte dos Corais da Amazônia, próximo à fronteira com a Guiana Francesa. Na região, três correntes marinhas se entrecruzam, o que impossibilita a utilização de um submarino, por exemplo. As imagens capturadas em 2016 são da área central dos corais, com águas muito mais tranquilas.
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O objetivo dessa expedição à bordo do navio Esperanza é conhecer cada vez melhor os corais, até então só observados com imagens. A meta é estudar a microbiologia, a força e direção das correntes, além possível presença de novas espécies de fauna e flora, identificadas por meio de mapeamento genético.
O que preocupa a todos, porém, não é nem a dificuldade em coletar as amostras, já previstas. Mas sim o fato de ser por ser ali que empresas estrangeiras, Total e BP, pretendem explorar petróleo.
PEQUENA E PESADA, DRAGA É UTILIZADA PARA COLETAR AMOSTRAS DO FUNDO DO OCEANO (FOTO: FELIPE FLORESTI/REVISTA GALILEU)
"A bacia da foz do rio Amazonas é considerada uma nova fronteira para a exploração de petróleo porque nunca foi produzido aqui, mas desde a década de 1970 já foram 95 tentativas de se produzir petróleo aqui e nenhuma deu certo", conta Thiago Almeida, à frente da campanha "Defenda os Corais da Amazônia" do Greenpeace. "Dessas, 27 foram por acidentes mecânicos. Um acidente pode se transformar em um desastre ambiental."
Em 2016, um grupo de 38 cientistas publicou o primeiro estudo a revelar a existência de um novo bioma que, até então, nem nome tinha, além do início do processo de Licenciamento Ambiental para a exploração de petróleo. Com isso, a maior ONG ambientalista do mundo decidiu agir: cinco meses depois, faziam a primeira incursão pelos corais, com direito ao uso de submarino. "O trabalho dos especialistas diziam que os corais iam até 120 metros de profundidade, a gente encontrou a 185 metros. É por isso que, depois dessa expedição, os cientistas falaram que o sistema recifal pode ser até cinco vezes maior do que dizia o primeiro estudo", afirma Almeida. Assim, a área de 9,5 milhões de km² de recifes, pode chegar à 56 milhões de km².
Outras descobertas, dessa vez nada agradáveis, vieram quando cientistas comissionados pelo Greenpeace foram analisar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), principal etapa técnica do Licenciamento. "É uma região com muito sedimento na água, pela influência do rio Amazonas. Tudo aquilo que o rio traz do coração da floresta, vem parar aqui. Esses sedimentos, quando se misturam com óleo, trazem óleo para baixo", disse.
No EIA, as empresas afirmam que há uma chance de 30% de, em caso de vazamento, o petróleo atingir os corais. "O que por sí só já é inaceitável", defende Almeida. "Mas a gente teve especialista afirmando que as empresas deveriam considerar uma chance de 100% de atingir os corais, pois as modelagens não levaram em consideração esses sedimentos."
Em geral, os corais são fundamentais para a preservação da biodiversidade do planeta. Apesar de ocuparem uma área de cerca de 1% dos oceanos, eles abrigam 25% da vida marinha e 35% dos peixes. Quando se fala dos amazônicos, o problema é ainda maior, pois trata-se de um bioma único no mundo.
"Essa é uma região extremamente desfavorável para o surgimento de corais. Um professor universitário francês até falou que passou 15 anos da vida falando para os alunos que era impossível existir corais na foz de um rio como o Amazonas", afirma. "Encontraram peixes considerados endêmicos do Caribe, o que indica a existência de um corredor biológico de lá até a América do Sul."
AREIA COLETADA NOS ARREDORES DOS CORAIS TRAZEM INFORMAÇÕES VALIOSAS PARA OS CIENTISTAS, COMO A MICROBIOLOGIA E A ORIGEM DESSES SEDIMENTOS, QUE SERÃO ANALISADOS EM LABORATÓRIO APÓS A EXPEDIÇÃO (FOTO: FELIPE FLORESTI/REVISTA GALILEU)
Destruir os corais, porém, é somente uma parte do problema. Os sistemas recifais estão diretamente ligados aos estoques pesqueiros, que garantem a sobrevivência de diversas comunidades da região. Além disso, na costa do Amapá se encontra um dos maiores manguezais do mundo, em uma faixa contínua que chega até a Venezuela.
"Imagina um derramamento atinja a costa, não existe tecnologia para limpar mangues. São décadas e décadas para ele se recuperar. A gente sabe que na Amazônia tem a pororoca em vários rios justamente por que o mar adentra por quilômetros o continente."
"Eu vi o rio Calçoene: ele vem em uma direção e, de repente, muda pela força do mar. Imagina trazer todo esse petróleo para dentro, sai a água, e fica só o petróleo. Estamos falando de ameaçar povos indígenas, pesqueiros, extrativistas, ribeirinhos, quilombolas. Uma ameaça aos povos tradicionais, que dependem da saúde do mar, da costa, para sobreviver."
Apesar dos desafios, não faltam motivos para pesquisadores e ambientalistas ficarem animados. Graças à pressão, que inclui uma campanha global que já coletou 1,9 milhões de assinaturas em 21 países, e os estudos científicos protocolados junto ao IBAMA, o rito do Licenciamento já foi atrasado em pelo menos um ano e meio.
Os argumentos dos cientistas fizeram com que o órgão ambiental pedisse diversas alterações no EIA e, conforme novos estudos, como os feitos a bordo, fiquem pronto, mais argumentos serão somados contra a exploração de petróleo na região. Mas você também pode fazer sua parte, assinando a petição online no site. A saúde da Amazônia agradece.
Revista Galileu
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