RTP
Cartaz de protesto do grupo Falun Gong, contra o transplante forçado de órgãos de prisioneiros | Jameson Wu, Reuters
Convidar a raposa para o galinheiro: isso está a fazer, segundo os críticos, o Vaticano, ao acolher um antigo vice-ministro chinês da Saúde numa conferência sobre tráfico de órgãos.
Ao contrário dos vários países em que o tráfico de órgãos humanos é levado a cabo por mafias mais ou menos proscritas, na China esse tráfico é feito legalmente pelo Estado. O seu banco de órgãos é o corredor da morte das prisões.
O número de execuções capitais é um segredo, também ele de Estado. Calcula-se que oscile entre as 3.000 e as 7.000. Uma coisa é certa: a família da pessoa executada não tem direito ao corpo, não pode enterrá-lo e não pode vê-lo.
Os motivos do secretismo tornam-se mais transparentes, se se der crédito a Nicholas Bequelin, director regional da Amnistia Internacional para a Ásia oriental, citado no diário britânico The Guardian. Segundo Bequelin, a grande maioria dos órgãos transplantados na China provém de prisioneiros condenados à morte.
O facilitismo que o sistema de saúde chinês desenvolveu ao apoiar-se nesse "banco de órgãos" poderá mesmo afrouxar a pressão para que se crie um programa nacional de dadores voluntários. O facto é que o programa não existe e a sua criação vai sendo adiada.
Segundo o mesmo Bequelin é também por esse motivo que a China não adere às recomendações da Organização Mundial de Saúde sobre critérios para determinar quando alguém pode considerar-se morto: para algumas transplantações, retira-se o órgão de um prisioneiro que, segundo os critérios da OMS, ainda seria classificado como vivo.
Além disso, o ritmo e o calendário das execuções está subordinado, segundo aquele responsável da Amnistia, à intensidade da procura: "O timing da execução depende por vezes, segundo pensamos, da necessidade de uma determinada operação de transplantação. Executa-se esta pessoa a tal hora em tal dia, porque é nessa altura que o paciente tem de estar pronto".
A conferência sobre tráfico de órgãos vem na linha de anteriores declarações vaticanas, manifestando preocupação com o alastramento desse flagelo. Especialmente relevante tinha sido uma mensagem do papa Francisco no ano passado, considerando o tráfico de órgãos humanos como "uma nova forma de escravatura".
A conferência organizada pela Academia Pontifícia de Ciências irá realizar-se a partir de amanhã, terça feira, e durará dois dias. Ao convidar o antigo vice-ministro chinês da Saúde, Huang Jiefu, o Vaticano pretende melhorar as suas relações com o Governo de Pequim e espera que isso lhe permita exercer alguma influência no que diz respeito à observância de direitos humanos e de liberdade religiosa.
As vozes mais críticas põem, no entanto, em dúvida que o convite sirva esses propósitos. Segundo Wendy Rogers, um perito em deontologia médica da Universidade australiana de Macquarie, o convite a Huang e a sua visita, já agendada, ao papa Francisco arrisca-se a dar "um ar de legitimidade" à política chinesa de transplantações.
Segundo Rogers, "a Academia Pontifícia de Ciências devia saber como a caução, mesmo indirecta, de prestigiadas entidades estrangeiras é usada pelo aparelho de propaganda da China para polir a reputação do seu sistema de transplantação antiético". E apela à conferência para "que considere o apelo dos prisioneiros encarcerados na China, que são tratados como bancos de órgãos descartáveis".
A Academia respondeu, pela pena do bispo argentino Marcelo Sánchez Sorondo que a conferência apenas pretende ser "um exercício académico e não um debate sobre tese políticas contrapostas".
Huang notabilizara-se no seu cargo por ter prometido, em 2015, que a China iria deixar de usar órgãos de condenados à morte nas transplantações. A declaração de intenções continua ainda hoje a valer-lhe o aplauso de Francis Delmonico, um professor de cirurgia ao serviço da Academia Pontifícia.
Delmonico afirmou que "a sensibilidade do dr. Huang para a objecção mundial àquela prática impulsionou o seu incansável trabalho pela mudança na China, culminando na proibição, em Janeiro de 2015, do uso de órgãos dos prisioneiros executados".
Mas o mesmo Delmonico, ao prestar depoimento no ano passado perante uma comissão do Congresso dos EUA reconhecera que era impossível dizer se essa prática tinha sido efectivamente eliminada.
Ao contrário dos vários países em que o tráfico de órgãos humanos é levado a cabo por mafias mais ou menos proscritas, na China esse tráfico é feito legalmente pelo Estado. O seu banco de órgãos é o corredor da morte das prisões.
O número de execuções capitais é um segredo, também ele de Estado. Calcula-se que oscile entre as 3.000 e as 7.000. Uma coisa é certa: a família da pessoa executada não tem direito ao corpo, não pode enterrá-lo e não pode vê-lo.
Os motivos do secretismo tornam-se mais transparentes, se se der crédito a Nicholas Bequelin, director regional da Amnistia Internacional para a Ásia oriental, citado no diário britânico The Guardian. Segundo Bequelin, a grande maioria dos órgãos transplantados na China provém de prisioneiros condenados à morte.
O facilitismo que o sistema de saúde chinês desenvolveu ao apoiar-se nesse "banco de órgãos" poderá mesmo afrouxar a pressão para que se crie um programa nacional de dadores voluntários. O facto é que o programa não existe e a sua criação vai sendo adiada.
Segundo o mesmo Bequelin é também por esse motivo que a China não adere às recomendações da Organização Mundial de Saúde sobre critérios para determinar quando alguém pode considerar-se morto: para algumas transplantações, retira-se o órgão de um prisioneiro que, segundo os critérios da OMS, ainda seria classificado como vivo.
Além disso, o ritmo e o calendário das execuções está subordinado, segundo aquele responsável da Amnistia, à intensidade da procura: "O timing da execução depende por vezes, segundo pensamos, da necessidade de uma determinada operação de transplantação. Executa-se esta pessoa a tal hora em tal dia, porque é nessa altura que o paciente tem de estar pronto".
A conferência sobre tráfico de órgãos vem na linha de anteriores declarações vaticanas, manifestando preocupação com o alastramento desse flagelo. Especialmente relevante tinha sido uma mensagem do papa Francisco no ano passado, considerando o tráfico de órgãos humanos como "uma nova forma de escravatura".
A conferência organizada pela Academia Pontifícia de Ciências irá realizar-se a partir de amanhã, terça feira, e durará dois dias. Ao convidar o antigo vice-ministro chinês da Saúde, Huang Jiefu, o Vaticano pretende melhorar as suas relações com o Governo de Pequim e espera que isso lhe permita exercer alguma influência no que diz respeito à observância de direitos humanos e de liberdade religiosa.
As vozes mais críticas põem, no entanto, em dúvida que o convite sirva esses propósitos. Segundo Wendy Rogers, um perito em deontologia médica da Universidade australiana de Macquarie, o convite a Huang e a sua visita, já agendada, ao papa Francisco arrisca-se a dar "um ar de legitimidade" à política chinesa de transplantações.
Segundo Rogers, "a Academia Pontifícia de Ciências devia saber como a caução, mesmo indirecta, de prestigiadas entidades estrangeiras é usada pelo aparelho de propaganda da China para polir a reputação do seu sistema de transplantação antiético". E apela à conferência para "que considere o apelo dos prisioneiros encarcerados na China, que são tratados como bancos de órgãos descartáveis".
A Academia respondeu, pela pena do bispo argentino Marcelo Sánchez Sorondo que a conferência apenas pretende ser "um exercício académico e não um debate sobre tese políticas contrapostas".
Huang notabilizara-se no seu cargo por ter prometido, em 2015, que a China iria deixar de usar órgãos de condenados à morte nas transplantações. A declaração de intenções continua ainda hoje a valer-lhe o aplauso de Francis Delmonico, um professor de cirurgia ao serviço da Academia Pontifícia.
Delmonico afirmou que "a sensibilidade do dr. Huang para a objecção mundial àquela prática impulsionou o seu incansável trabalho pela mudança na China, culminando na proibição, em Janeiro de 2015, do uso de órgãos dos prisioneiros executados".
Mas o mesmo Delmonico, ao prestar depoimento no ano passado perante uma comissão do Congresso dos EUA reconhecera que era impossível dizer se essa prática tinha sido efectivamente eliminada.
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