segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Berço da Vida

Embora ocupem a maior parte da superfície da Terra, os oceanos são pouco conhecidos, apesar da sua importância para os humanos.
Por Gilles Boeuf*


Os oceanos cobrem hoje mais de 70% do planeta, têm profundidade média de 3.700 metros e cobrem mais de 90% do solo habitável. Apesar disso, apenas 13% de todas as espécies conhecidas vivem nos mares. Segundo o Censo da Vida Marinha de 2010, o número total de espécies marinhas conhecidas está entre 230 mil e 250 mil.

Dois fatores ajudam a explicar esses números tímidos. Primeiro, nosso conhecimento do oceano profundo e das formas mais comuns da vida marinha – microorganismos, bactérias e microalgas – ainda é fragmentado. Novos métodos e tecnologias estão ajudando a resolver essa situação, como o sequenciamento do oceano, por exemplo, que consegue filtrar todo o DNA presente numa dada amostra de água. Cerca de 80% das amostras obtidas com esse método tendem a ser novas para a ciência.

A segunda razão para a suposta modesta biodiversidade marinha é a falta de barreiras geográficas no oceano, o que predispõe a menos endemismo (a ocorrência exclusiva de uma espécie em uma dada região) do que em terra. As cianobactérias podem ser encontradas em todo o oceano, enquanto espécies de grande porte tendem a ocupar um espaço geográfico mais limitado.

Pode haver menos biodiversidade nos oceanos do que nos continentes, mas os laços evolutivos entre diferentes formas de vida, descritos pela filogenia, são bem mais variados no mar do que em terra. Essa é uma herança da nossa história ancestral, à medida que as primeiras formas de vida se desenvolveram no mar.

Hoje, 12 dos 31 filos (grandes grupos taxonômicos) do reino animal vivem em oceanos, incluindo braquiópodes e estrelas-do-mar. As bactérias sob a superfície oceânica representam sozinhas 10% da biomassa baseada em carbono do planeta, e o fitoplâncton, mais de 50%!

O meio ambiente marinho teve papel fundamental na evolução da vida e do clima na Terra, até hoje. Os mais antigos vestígios de carbono de origem biológica, encontrados em rochas sedimentares na ilha de Akilia, na Groenlândia, datam de 3,85 bilhões de anos (Ba) atrás.

As rochas denominadas estromatólitos contêm os mais antigos fósseis de microorganismos – cianobactérias – que conquistaram os oceanos há 3,4-3,2 Ba. O oxigênio surgiu na atmosfera há 3,5 Ba, graças à quebra de CO2 pela fotossíntese, mas seriam precisos outros 300 milhões de anos (Ma) para ele permear o oceano. Os níveis de oxigênio aumentaram espetacularmente na superfície do oceano há 2,3 Ba, e de novo há 800-542 Ma. Nos últimos 100 Ma, a atmosfera foi composta de 21% de oxigênio.

O surgimento da reprodução sexual nos oceanos acelerou o processo evolutivo, favorecendo um acervo genético mais amplo. A explosão de vida do Cambriano (iniciado há 542 Ma) viu os primeiros animais saírem dos oceanos para viver em terra. A primeira planta vascular apareceu há 430 Ma, bem como os primeiros artrópodes (insetos, crustáceos, etc.) e peixes primitivos sem mandíbula.

Em 2008, a indústria pesqueira tirou 160 milhões de toneladas de espécies dos oceanos, segundo a Organização para a Agricultura e a Alimentação (FAO), da ONU. Dois terços (93 milhões de toneladas) vieram da pesca e o restante (67 milhões de toneladas) foi produzido pela aquicultura.

As espécies ancestrais que povoam os oceanos fornecem não só comida, mas também 15 mil remédios: antibióticos, drogas antitumorais, imunoestimulantes, imunossupressores, hormônios de crescimento, regeneradores de ossos, etc. Seres marinhos muitas vezes considerados insignificantes se provaram indispensáveis para o avanço da medicina e da biologia, ajudando-nos a compreender processos como a carcinogênese e o envelhecimento. Urge protegê-los.

* O autor trabalha na universidade Pierre e Marie curie e no Museu Nacional francês de história Natural.
Revista Planeta

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