Os efeitos do clima sobre a oferta de alimentos exacerbaram tensões no Oriente Médio
Nasser Nouri/Flickr
A região do Oriente Médio e do Norte da África é extremamente vulnerável a flutuações no fornecimento e preço de alimentos.
Ines Perez e ClimateWire
Se a Primavera Árabe nos ensinou alguma coisa é que efeitos da mudança climática podem servir como estressantes, contribuindo para instabilidade e conflitos regionais, apontam especialistas.
Em um relatório publicado na semana passada, pesquisadores do Centro para o Progresso Americano, do Centro para o Clima e a Segurança, e do Centro Stimson examinaram o papel das mudanças climáticas nas revoltas do Oriente Médio em 2010 e 2011. Observando tendência de longo prazo na chuva, em plantações, preços de alimentos e migrações, eles conseguiram determinar a contribuição desses fatores para a instabilidade social na região.
De acordo com o relatório: “A Primavera Árabe provavelmente ocorreria de uma forma ou de outra, mas o contexto em que ela surgiu não é inconsequente. O aquecimento global pode não ter provocado a Primavera Árabe, mas pode tê-la feito chegar mais cedo”.
As regiões do Oriente Médio e do Norte da África são extremamente vulneráveis a flutuações no fornecimento e preços de alimentos. De acordo com o relatório, poucas terras aráveis e suprimentos hídricos escassos, fazem da região uma das principais importadoras de alimentos do mundo.
Em 2010, secas na Rússia, Ucrânia, China e Argentina, e tempestades torrenciais no Canadá, na Austrália e no Brasil – todos grandes produtores de trigo e grãos – diminuíram consideravelmente as safras globais, aumentando os preços de commodities. A região já estava lidando com tensões sociopolíticas, econômicas e climáticas. A crise global de alimentos em 2010 tornou tudo mais difícil.
Mas o problema aqui é muito maior. Devido à globalização, eventos climáticos regionais podem ter uma extensão global. Além disso, de acordo com o relatório, cenários em que eventos climáticos se desdobram em mudanças econômicas e políticas têm maior probabilidade de se repetir conforme a instabilidade climática, populações cada vez maiores e competição por recursos perturbam a estabilidade nacional.
Colapso nacional se torna ameaça à segurança
De acordo com Michael Werz, pesquisador sênior do Centro para o Progresso Americano e um dos autores do relatório, o argumento aqui é que existem vários sintomas – como escassez de alimentos, racionamento de água, fracasso de safras, migração e urbanização rápida – forçando os limites do que uma sociedade é capaz de suportar antes de explodir.
“Isso está levando muitas sociedades ao limite, especialmente as que têm um estado fraco”, declara Werz.
No lançamento do relatório sobre a Primavera Árabe e a mudança climática, Werz e outros especialistas em relações exteriores discutiram os desafios da mudança climática para a estabilidade global – particularmente em termos de segurança alimentar e hídrica, e migração – e como os Estados Unidos precisam repensar sua política externa para incorporar esses desafios sem fronteiras.
“Nós fomos de um mundo conectado para um mundo interconectado, e de um mundo interconectado para um mundo interdependente”, observou Tom Friedman, colunista de relações internacionais do New York Times. “Quando o mundo é tão interdependente, o fracasso de seus rivais é muito mais perigoso que o sucesso de seus rivais”, lembrou ele.
De acordo com Friedman, a política externa dos Estados Unidos está tão presa ao modelo da Guerra Fria – competição estratégia entre superpotências – que está se esquecendo do verdadeiro problema de segurança do mundo atual.
“Não estamos preocupados com o Egito se tornar um aliado da União Soviética; estamos preocupados com um colapso egípcio que, em um mundo interdependente, é uma ameaça”, apontou Friedman.
Em um artigo de 2011 para o The Atlantic, a ex-diretora de Planejamento Político do Departamento de Estado, Anne-Mari Slaughter, explicou como o ambiente internacional mudou no último século.
“A Guerra Fria era como o xadrez. O mundo do século 21 é mais como o tênis, em que o vento, o calor, um possível atraso devido à chuva, e a saúde e forma física relativas de seu oponente em qualquer dia afetam a velocidade, a trajetória e a rotação da bola que você recebe”, escreveu ela.
Escassez de alimentos, seca, migração e segurança humana são problemas em uma sociedade que pode se desdobrar em grandes problemas entre estados, observou Slaughter durante o evento. Mas ao contrário de tópicos populares como o Irã ou o Afeganistão, faltam duas importantes qualidades à segurança alimentar que devem ser levadas a sério em Washington: “Ela não é imediata, e não é sexy”.
Ligações de segurança são frequentemente negligenciadas
De acordo com Werz, construir países estáveis, sustentáveis, e de longo prazo no mundo é muito mais benéfico para os Estados Unidos e para a segurança global do que qualquer outra coisa.
Um novo estudo do think-tank britânico E3G alerta que a disseminação da democracia que se seguiu à Primavera Árabe poderia ser revertida devido ao fracasso em abordar a ameaça de choques nos preços de alimentos e energia. De acordo com o relatório, modelos climáticos consistentemente estimam que o aquecimento ocorrerá mais rapidamente na região do Oriente Médio e do Norte da África, acentuando a crescente escassez de água. Mas investimentos governamentais existentes estão mais concentrados em fornecer incentivos para reformas democráticas continuadas do que em abordar outras áreas vitais para a estabilidade.
“Definitivamente houve uma mudança”, declarou Taylor Dimsdale, associado de pesquisa sênior da E3G, sobre a compreensão de ligações entre lutas sociais, preços de alimentos e mudança climática. “Estamos começando a reconhecer que existe uma falta de apreciação e reconhecimento completos para essa mudança”.
Além disso, conforme a mudança climática provoca eventos climáticos em países produtores, aumentos no preço dos alimentos poderiam se tornar outra bomba relógio na região. “Vemos isso como um risco contínuo”, explicou Dimsdale.
Devido à globalização e à interdependência, a relação entre mudança climática, migração e segurança deve se tornar o “novo padrão” em reuniões de política internacional, de acordo com o grupo. “Nas ciências climáticas, eu vivo pelo axioma ‘Temos que controlar o inevitável e evitar o incontrolável’”, apontou Friedman.
Nesse sentido, afirma que tudo se resume a aumentar a resiliência e propõe estimular soluções baseadas no mercado através de regulamentos e preços para incentivar a energia e a água limpas na América, ou em qualquer parte do mundo.
“Precisamos encontrar soluções sustentáveis de longo prazo que a política externa atual sequer nos permite imaginar”, declarou Slaughter.
Mas primeiro, de acordo com ela, os Estados Unidos precisam repensar a maneira como se engajam com o mundo. “Normalmente o Departamento de Estado é organizado por região, e depois por área de problema”, explicou Slaughter. Esse formato dificulta a compreensão dos temas interconectados e torna ainda mais difícil a abordagem ‘de baixo para cima’, adicionou ela.
Contribuiu a jornalista Tiffany Stecker. Republicado de Climatewire com permissão de Environment & Energy Publishing, LLC. www.eenews.net, 202-628-6500
Scientífic American Brasil
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