segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Rumos da matriz energética brasileira

Aumentar a competitividade é crucial para um crescimento econômico robusto e para construir uma estrutura resiliente. Medidas tomadas para superar gargalos que afetam a competitividade brasileira devem produzir resultados no médio prazo, e seus efeitos devem ser sentidos no consumo de energia. Superados esses gargalos, haverá maior pressão sobre a demanda energética, repercutindo na matriz. Falo, aqui, de incertezas, críticas e desafios para o planejamento energético

Amilcar Guerreiro

Mário Leite
 
Amilcar Guerreiro é diretor de Estudos de Economia da Energia e de Meio Ambiente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e ex-secretário de Energia do Ministério de Minas e Energia

Cinco temas, entre outros, condicionam os rumos da matriz energética brasileira: geopolítica energética mundial, mudança do clima global, perfil sociodemográfico, perfil da indústria e competitividade da economia.

O shale gas, tal como o choque nos preços do petróleo há 40 anos, tem potencial para mudar a geopolítica energética mundial, afetando relações de preço entre os energéticos, a importância estratégica deles e de até algumas regiões do mundo. Basta dizer que Estados Unidos e China, os maiores consumidores de petróleo do mundo, detêm as maiores reservas de shale gas do planeta. O Brasil não está à margem desse cenário. As perspectivas que se abrem para o gás não convencional no País são condicionantes, junto com o pré-sal, da evolução da economia e da matriz energética nacional nos próximos 10 ou 20 anos.

Com relação às mudanças climáticas, parece consenso que se deve ampliar o controle das emissões de gases de efeito estufa (GEE), ou a humanidade sofrerá as consequências de sua própria irresponsabilidade. Os Bric mais Japão e Estados Unidos são responsáveis por mais de 50% das emissões globais de GEE (2005). Excluindo o Brasil, 75% das emissões desses países são devidas à produção e ao uso da energia - índice muito próximo à média mundial - e 33% são devidos somente à produção de energia elétrica. No nosso caso, a elevada participação de renováveis na matriz, quase 45%, reduz muitíssimo essas proporções, para 12% e 1%, respectivamente. A biomassa da cana e a hidreletricidade sustentam essa condição favorável, que pode e deve ser mantida nos próximos anos. Balizam a estratégia de expansão da oferta de energia, com o benefício adicional de se tratar de fontes energéticas próprias, sobre as quais o País tem amplo domínio, inclusive no aspecto tecnológico.

A economia brasileira já é hoje uma economia de baixo carbono, condição que autoriza a meta estratégica de manter a intensidade de carbono na economia. Aqui, os desafios a enfrentar são, portanto, diferentes dos da maioria dos países, os emergentes inclusive.

As alterações no perfil sociodemográfico do País são expressivas. Em passado recente, metade da população tinha menos de 20 anos; hoje, 50% têm 30 ou mais. Outras mudanças relevantes que afetam o padrão de consumo de energia foram: aumento da urbanização e da expectativa de vida, avanço da condição da mulher na sociedade e redução do número de filhos por mulher. Não obstante, haverá, em 10 anos, mais 14 milhões de brasileiros - uma Bélgica e meia! - a demandar mais comida, mais produtos, mais serviços e mais energia.

O País vive um histórico período de bônus demográfico, em que a população em idade produtiva é relativamente maior do que a de idosos, jovens e crianças. Trata-se de mais um fator a impulsionar o crescimento econômico, fator que será tão mais relevante quanto melhor for a capacitação da força de trabalho. A perspectiva de crescimento da economia exerce pressão sobre a demanda de energia, apesar das iniciativas de eficiência energética. A propósito, para ficar apenas na eletricidade, as previsões da demanda já consideram intrinsecamente "retirar" do mercado em 2020 o equivalente à geração de uma hidrelétrica de 8.400 megawatts de capacidade.

A evolução do perfil da indústria nacional é outra incerteza crítica quando se pensa no futuro da matriz energética. Há 25 anos, a fatia da indústria no consumo final energético permanece em 35%. Mas, a indústria de transformação perde participação na economia, e produtos manufaturados perdem importância na pauta de exportações. Isso ainda não se refletiu no consumo energético. Contudo, é de se esperar que mudanças no perfil da indústria afetem o consumo setorial de energia, com rebatimento na matriz energética nacional.

Aumentar a competitividade é crucial para um crescimento econômico robusto e para construir uma estrutura resiliente. Medidas tomadas para superar gargalos que afetam a competitividade brasileira, como redução dos juros reais e das tarifas de energia, concessão de projetos de infraestrutura à iniciativa privada e desoneração das folhas de pagamento para o setor exportador, devem produzir resultados no médio prazo, e seus efeitos devem ser sentidos no consumo de energia. Superados esses gargalos, haverá maior pressão sobre a demanda energética, repercutindo na matriz.

A EPE inicia agora um novo ciclo de estudos do planejamento energético de longo prazo, o segundo desde sua criação, o que levará ao Plano Nacional de Energia 2050. Esses estudos envolvem a discussão desses temas por se tratarem de questões de conteúdo potencialmente modificador e portador de futuro, impondo importantes desafios para o planejamento energético.
Planeta Sustentável 

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