Armas do bem
Os mesmos laboratórios que no passado desenvolveram
armamentos nucleares de destruição em massa hoje produzem dados que ajudam a
salvar o planeta e quem vive nele
Larissa Veloso
NOVOS TEMPOS
Criado para desenvolver armas nucleares, hoje o laboratório Lawrence Livermore,
nos EUA, usa seus supercomputadores para estudar as mudanças climáticas
As bombas atômicas lançadas pelos Estados Unidos sobre
Hiroshima e Nagasaki no fim da Segunda Guerra Mundial mataram diretamente mais
de 150 mil pessoas. Depois que a nuvem em forma de cogumelo se dissipou, nunca
mais as pessoas viram os testes atômicos como instrumento para gerar algo
positivo. Mas um historiador da Universidade de Michigan, nos EUA, mostra como
a indústria de armas nucleares migrou da destruição em massa para a proteção do
planeta. Em artigo no “Bulletin of the Atomic Scientists”, Paul Edwards afirma
que, se não fossem os estudos para o desenvolvimento de armas, a ciência
climática estaria engatinhando.
Nos primeiros testes de grande magnitude nos anos 1950, contaminações
provocadas pela dispersão de material radioativo levantaram o alerta, e os
cientistas começaram a vigiar os ventos. “Esses eventos levaram à criação de
redes de monitoramento. Uma das redes estabelecidas pelo Laboratório de
Segurança e Saúde da Comissão de Energia Atômica em 1951 foi depois ampliada
para cerca de 200 estações de monitoramento climático da Força Aérea americana
ao redor do mundo”, explica Edwards. Com o crescimento das instalações, o homem
passou a entender cada vez mais a dinâmica da atmosfera, o que é crucial para
monitorar o clima.
OBSOLETO
Desde os anos 1990, os russos tentam comprar supercomputadores.
Sem as máquinas, os laboratórios do país estão de fora da onda verde
Rede montada para garantir que os países não façam testes
com bombas nucleares, a CTBTO (Comprehensive Nuclear-Test-Ban Organization, na
sigla em inglês) ajudou a amenizar uma catástrofe ambiental. A organização
previu a dispersão de material radioativo provocada pelo acidente na usina
Fukushima, no Japão, em março do ano passado. Os dados coletados pela CTBTO nas
mais de 280 estações de monitoramento ao redor do mundo ajudam a aumentar o
volume de material usado nos modelos climáticos. “Todo processo que permite
coletar dados reais do comportamento do material na atmosfera é útil. E todo
modelo matemático (como os usados para estudar o clima) precisa de dados para
ser validado”, afirma Luiz Fernando Conti, assessor da diretoria de pesquisa e
desenvolvimento da Comissão Nacional de Energia Nuclear.
Há um benefício extra por conta do redirecionamento desses laboratórios. Com o
fim da Guerra Fria, caso continuassem apenas a desenvolver armas, os cientistas
e as máquinas estariam sem emprego. “Nossos computadores foram originalmente
desenvolvidos para testar armas nucleares. Agora são usados para estudar a
ciência da mudança climática” reforça a porta-voz do Laboratório Nacional de
Lawrence Livermore, na Califórnia, Anne Stark. A transição manteve o quadro de
funcionários inalterado.
DESASTRE
Agentes em Fukushima ajudam a analisar o vazamento da usina. Equipamentos
usados para prevenir uma guerra nuclear ajudaram na contenção da catástrofe
Sobre essa troca de função, Edwards deixa um recado nas
palavras finais de seu artigo. “Hoje, os laboratórios construídos para criar o
mais temível arsenal em toda a história estão fazendo o que podem para impedir
outra catástrofe – não uma causada por governos em guerra, mas por bilhões de
indivíduos normais vivendo vidas comuns dentro de uma economia energética que
precisamos reinventar.” Transformar um sistema de destruição em massa em
ferramenta para melhorar nossas condições de vida é um promissor primeiro
passo.
Revista Isto é
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