A energia nuclear é responsável por 16% da eletricidade
consumida no mundo — e também por alguns dos piores pesadelos da humanidade. A
concretização de um deles, o acidente na usina de Chernobyl, na Ucrânia,
colocou o mundo em choque em 1986. Agora, o
planeta novamente assiste com apreensão aos vazamentos nucleares no Japão,
que tiveram início após o devastador terremoto que atingiu o país na última sexta-feira.
As usinas nucleares são consideradas uma fonte de energia limpa porque emitem
pouco carbono e, por isso, não contribuem para o aquecimento global – mas é
impossível ignorar os riscos que elas representam aos países que as abrigam.
O acidente de Chernobyl, que se
tornaria o maior desastre nuclear da história, ocorreu na madrugada do
dia 26 de abril de 1986, durante um teste de rotina do reator número 4 da
usina. Por um erro dos técnicos, o processo de reação nuclear em cadeia se
descontrolou, aquecendo a água que deveria resfriar o reator. Seguiram-se uma
explosão e um incêndio que durou dez dias, espalhando toneladas de material
radioativo por uma área de 150.000 quilômetros quadrados.
O debate sobre a energia atômica é tão antigo quanto sua
utilização. Em 1971, reportagem
de VEJA relatava o debate sobre o tema nos Estados Unidos, país que
recebeu sua primeira usina nuclear em 1957. O uso da tecnologia atômica em
território americano ficava a cargo da Comissão de Energia Atômica (AEC),
abolida em 1974. “Para os mais acesos de seus críticos, a AEC, que hoje planta
instalações para gerar a energia, amanhã colherá crianças geneticamente
doentes, cânceres e terra envenenada”, dizia o texto de VEJA. “Mas os
defensores da energia nuclear veem os átomos por um lado diferente. ‘A chave
para uma civilização avançada é um avançado padrão de vida’, diz Glenn F.
Seaborg, presidente da AEC. ‘E a chave para isso é a energia’.”
As usinas nucleares chegaram ao Brasil na década de 70. A
usina de Angra 1 fora comprada praticamente pronta, em 1969, da americana
Westinghouse. O objetivo era que iniciasse o fornecimento comercial de energia
elétrica em 1977, com um custo total de construção de 300 milhões de dólares.
Porém, Angra 1 só
entrou em funcionamento seis anos mais tarde, após ter consumido 1,8
bilhão de dólares. Em 2000, foi
inaugurada a Angra 2, que levou mais de 20 anos para ser construída. Já
a construção da usina nuclear Angra 3
sofre, há mais de trinta anos, de paralisia crônica. O Brasil perdeu
muito dinheiro em Angra dos Reis. Com o capital gasto no projeto nuclear até
aqui, seria possível construir cinco usinas nucleares, não apenas três.
A história recente do país evidencia o grau de amadorismo e
fragilidade com que o Brasil trata um assunto tão delicado. Em 2004, uma
fábrica de urânio em Resende, interior do Rio, vazou, atingiu quatro
operadores – e tudo ficou na surdina. Mas o pior
acidente nuclear em território brasileiro ocorreu em 1987, em Goiânia.
Uma unidade de radioterapia abandonada nas ruínas do Instituto de Radioterapia,
contendo uma cápsula de Césio, um poderoso elemento radioativo, foi destruída
por catadores de papel. Quatro pessoas morreram vítimas da contaminação. E as
autoridades brasileiras tentaram encobrir por todos os meios suas
responsabilidades pela tragédia.
Como se nota na reação da comunidade internacional em
relação à crise nuclear japonesa, acidentes em usinas fazem os países repensar
o uso de energia atômica. Nos anos que se seguiram à tragédia de Chernobyl, a
maior parte dos países desistiu ou abandonou seus projetos nucleares,
principalmente em razão dos custos cada vez mais altos de construção ou da
pressão dos ecologistas. Os Estados Unidos já haviam interrompido a construção
de novos reatores desde 1979, quando
ocorreu um superaquecimento do reator de Three Mile Island.
A tragédia no Japão ocorre justamente num
momento de retomada dos investimentos em energia nuclear. Reportagem de
VEJA de 2008 já mostrava como uma tecnologia vista até bem pouco tempo como
sinistra passou a ser encarado, em muitos países, como uma esperança de energia
limpa e barata. O renascimento da energia nuclear é explicado por uma conjunção
de fatores. O primeiro é econômico. A disparada do preço do petróleo e do gás
natural, que juntos respondem por 25% da eletricidade produzida no planeta,
torna cada vez mais cara a energia obtida desses combustíveis fósseis. O
segundo fator que impulsiona o renascimento da energia nuclear é o combate ao
aquecimento global, uma causa que mobiliza governos e opinião pública.
A rigor, o único problema das usinas nucleares é o que fazer
com o lixo atômico que produzem. Até agora não se tem uma solução prática para
os rejeitos radioativos que não seja o armazenamento, o que ainda deixa boa
parte da opinião pública desconfiada com a nova escalada na construção de
reatores. Há esperança de que, no futuro, se descubra uma forma mais eficiente
de descartar esse material ou reutilizá-lo. Novamente, porém, o futuro dos
investimentos em energia nuclear volta a ficar incerto em boa parte do planeta.
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