Depois de um terremoto de intensidade jamais vista e de um
tsunami de poder destrutivo avassalador, o Japão encara mais um pesadelo: o
risco de uma catástrofe nuclear. A região atingida pelos tremores, no nordeste
do território japonês, tem diversas usinas de energia atômica, e o abalo
provocou rachaduras, vazamentos e explosões. De acordo com o governo, a situação
ainda está sob controle, mas ninguém descarta a chance de novo acidente nas
usinas. A situação trouxe de volta à lembrança das pessoas a tragédia mais
famosa da história da energia nuclear: a explosão ocorrida há 25 anos em
Chernobyl, na antiga União Soviética, atual Ucrânia. O desastre foi tema de uma
reportagem de capa de VEJA em 1986.
O governo soviético admitiu: ocorreu um acidente num dos
cinquenta reatores em operação no país – o da usina de Chernobyl, nas
vizinhanças de Kiev, a terceira maior cidade da URSS. A partir daí a Europa
começava a viver dias de medo ao mesmo tempo em que o mundo se dava conta, aos
poucos, dos detalhes do maior acidente nuclear de todos os tempos. Em poucos
dias, a nuvem radioativa estendeu-se por toda a Europa Central, atingindo a
Suíça, o norte da Itália e batendo, na sexta-feira, sobre uma parte da
Inglaterra. Carregada de iodo, césio e estrôncio radioativos, ela cobriu uma
distância de 3.100 quilômetros, atingindo doze países, numa área equivalente à
que vai de São Paulo ao Ceará. Enquanto isso, o governo soviético reconhecia o
desastre em pílulas. Lacônico até mesmo diante das perguntas da Agência
Internacional de Energia Atômica, à qual está filiado, ele só admitiu na noite
de segunda-feira um desastre que ocorrera três dias antes. Desde o momento em
que admitiram o desastre, fixou-se na versão de que o problema fora controlado,
com a perda de duas vidas e a existência de 197 feridos. A estimativa dos
serviços de espionagem americanos gira em tomo de 2.000 mortos, mas o governo
soviético classifica todos esses cálculos como simples “boatos”. Era difícil
saber o que sucedera em Chernobyl na noite de 25 de abril.
…
O que aconteceu depois
Quando as circunstâncias da tragédia ficaram claras,
soube-se que trinta pessoas morreram imediatamente em razão do acidente e que a
causa foi um experimento não autorizado que fugiu ao controle dos cientistas.
Nos anos seguintes, mais de 5.000 mortes foram atribuídas à contaminação e pelo
menos 5 milhões de pessoas sofreram problemas físicos ou psicológicos em razão
da exposição à nuvem de poeira radioativa. Ainda hoje, pesquisadores avaliam o
aumento dos casos de câncer e outras doenças em razão da tragédia em Chernobyl.
O colapso da União Soviética e a miséria que imperou nas ex-repúblicas na
década de 1990 ajudaram a piorar o cenário. A Ucrânia, onde está a usina,
interrompeu ou passou a atrasar o pagamento de compensações e ajudas às vítimas
e famílias das vítimas. Em meados dos anos 90, o presidente da vizinha
Bielo-Rússia, Alexander Lukashenko, permitiu que moradores pobres voltassem a
morar na região contaminada, numa medida que gerou muitos protestos. Os demais
reatores de Chernobyl funcionaram até 2000, quando as autoridades cederam à
pressão internacional e desativaram toda a usina.
Em abril de 2003, 17º aniversário da tragédia de Chernobyl,
autoridades russas fizeram alertas sobre a possibilidade de colapso do escudo
de concreto erguido, pouco após o acidente, ao redor do reator problemático,
para minimizar o vazamento de material radioativo. “O sarcófago foi construído
para durar cinco anos, mas já está instalado lá há dezessete. E ninguém
investiga a sério as reações que acontecem dentro dele”, disse o ministro da
Energia Atômica da Rússia, Alexander Rumyantsev. “Há buracos nele e o teto pode
cair. Precisamos de um novo escudo ao redor do antigo”, acrescentou. O governo
da Ucrânia negou a possibilidade de um novo acidente e garantiu que as medidas
necessárias estão em execução e serão finalizadas a tempo se houver ajuda
financeira do Ocidente. Técnicos da usina reconheceram os problemas e
divulgaram um plano para estabilizar as condições do escudo antigo rapidamente
e erguer um novo caixão de concreto em volta do atual. Em setembro de 2005, um
relatório preparado pelo Fórum Chernobyl, que inclui oito agências da ONU,
apresentou mais detalhes da tragédia. A investigação foi realizada por centenas
de cientistas, economistas e médicos. Em abril de 2006, no vigésimo aniversário
do acidente, a data foi marcada por protestos contra a criação de novas usinas
nucleares pelo mundo.
Revista Veja