Tese prega revisão de dispositivos
jurídicos sobre domínio de recursos hídricos
jurídicos sobre domínio de recursos hídricos
As águas subterrâneas, como as do
Aquífero Guarani, poderiam ficar sob responsabilidade dos Estados ou da
Federação, assim como as superficiais, de acordo com o que dispõe a
Constituição Federal, mas a questão do domínio gera polêmicas, já que os
aquíferos podem ter prolongamentos além das fronteiras estaduais. Em sua tese
“Modelo de gestão compartilhada de bacias hidrográficas e hidrogeológicas:
estudo de caso – Aquífero Guarani”, defendida no Instituto de Geociências (IG)
da Unicamp, o advogado, geógrafo e doutor em geologia Wilson José Figueiredo
Alves Junior propõe pequenas reformulações na Proposta de Emenda Constitucional
nº 43 (PEC 43), que tramita desde o ano 2000 no Congresso Nacional, visando
alterar a dominialidade das águas subterrâneas na Constituição Federal.
De acordo com Alves Junior, a necessidade de revisão dos
dispositivos jurídicos referentes ao domínio e gestão dos recursos hídricos
subterrâneos implica uma nova política de águas no plano federativo com
eventual alteração da Constituição Federal através da PEC 43/2000. Por
enfrentar diretamente os aspectos contraditórios da legislação de recursos
hídricos, agregando aspectos técnicos e jurídico-institucionais, a tese,
orientada pelo professor do IG Hildebrando Hermann, foi solicitada pelo senador
Eduardo Suplicy (PT-SP), que, após análise de sua assessoria técnica,
encaminhou ao relator da proposta para incorporá-la ao texto original da PEC.
O pesquisador revela que, embora sejam naturalmente
indissociáveis no ciclo hidrológico, as águas superficiais e subterrâneas foram
estabelecidas de forma divergente pela Constituição Federal. Após inúmeras
discussões, o principal desafio é estabelecer uma legislação que contemple a
proteção dos aquíferos transnacionais e interestaduais. Ele acrescenta que no
ordenamento jurídico brasileiro, encontram-se lacunas e conflitos legais, “o
que conduz a uma realidade inquestionável: a legislação brasileira de recursos
hídricos subterrâneos possui falhas em sua redação, uma vez que a boa técnica
ensejaria sanar tais dúvidas.”
Para Herrmann, o modelo de
gerenciamento hídrico brasileiro necessita ser revisto e reconsiderado no campo
legislativo. “O atual modelo, do ponto de vista legal, proporciona o
estabelecimento de limites e fronteiras físicas no âmbito dos Estados, o qual
se afigura como um processo de difícil aproveitamento e gerenciamento, já que a
Constituição Federal atribui aos Estados a dominialidade das águas
subterrâneas, permitindo que estas sejam utilizadas de forma desordenada, dando
abertura para futuros acidentes ambientais de proporções incalculáveis.” A
aprovação do novo texto, na opinião do professor, não deixaria dúvidas quanto a
gestão das águas subterrâneas e a prevenção contra eventuais contaminações.
Herrmann lembra que o Sistema Aquífero Guarani,
especialmente, tem estrutura transfronteiriça, adentrando pelo subsolo de oito
estados brasileiros e mais três países (Argentina, Uruguai e Paraguai). Dessa
maneira, o risco de contaminação pode ser um dos problemas decorrentes da falta
de marco regulatório e de políticas públicas.
A preocupação em promover a efetiva tutela dos aquíferos
interestaduais/internacionais está no fato de que um recurso influi no outro.
“Por exemplo, a formação de lagos de barragens altera o nível piezométrico
regional; a superexplotação de poços ocasiona o rebaixamento do lençol que
alimenta nascentes e rios; o lençol freático garante perenidade aos rios
durante as estações secas; os rios encaixados em fraturas alimentam aquíferos e
a descarga/exutório dos aquíferos confinados alimentam rios”, explica Alves
Júnior.
Ele acrescenta que embora as alterações previstas pareçam
mínimas, elas transferem a dominialidade das águas subterrâneas dos
Estados-membros para a União Federal. “O que já é bastante significativo”,
reforça.
IG é referência em políticas públicas
De acordo com Herrmann, o IG tornou-se referência no estudo
de políticas públicas para gestão de recursos. O tema geralmente é abordado por
diferentes áreas ligadas à preservação e utilização de recursos naturais. “O IG
é uma fonte de estudos nesta área. Tem professores e alunos que trabalham com
questão de recursos hídricos, abordando políticas públicas, sobretudo com
enfoque técnico, jurídico e social. Assim como o trabalho do Wilson, uma série
de outras teses e dissertações abordando essa temática estão por vir. O
Instituto tornou-se referência internacional na parte de políticas públicas
para recursos hídricos”, acrescenta Herrmann.
Brasil adota sistema de gerenciamento francês
O Brasil segue a experiência francesa na gestão de recursos
hídricos, baseado em comitês de bacia hidrográfica, os quais têm a difícil
tarefa de suplantar os limites políticos municipais e estaduais, fortemente
presentes nas políticas públicas e na gestão de recursos hídricos, segundo Alves
Júnior. Na tese, ele mostra que a França em muito se distingue do Brasil, já
que é uma república unitária, ao passo que o Brasil é uma república federativa,
formada pela agregação dos Estados. Além disso, existe constitucionalmente
dupla jurisdição sobre a água no Brasil: a Federal e as dos Estados da
federação. Já a legislação francesa vale para todo o território.
Ele acrescenta que o caso brasileiro é mais complexo, em
virtude da existência, por dispositivo constitucional, de águas estaduais e
federais, além da competência privativa da União para legislar sobre águas
(subterrânea e superficial). Outras diferenças – espaciais, sociais, econômicas
e culturais, entre os dois países – fazem com que existam divergências
geológicas: “Lá na França a experiência em bacias hidrológicas foi boa, porém,
precisamos adequá-las às nossas realidades, já que no Brasil em razão da dupla
dominialidade misturam-se rios federais e estaduais, o que é de difícil
conciliação.”
Alves Júnior lembra que o Brasil oferece um mosaico hídrico
diferenciado, amplo e complexo, com 12 regiões hidrográficas, o que leva,
também, à intensificação dos problemas transfronteiriços. A França, por sua
vez, apresenta apenas seis regiões hidrográficas. “Consequentemente, nesse
viés, é preciso ter um sistema condizente com a realidade brasileira”, explica.
De acordo com o pesquisador, “aqui esse cenário ganha novos
contornos: além de a bacia hidrográfica poder ter dois níveis (federal e
estadual), precisamos contemplar as bacias hidrogeológicas nessa complexa
legislação hídrica.”
Para orientador, atual modelo é ultrapassado
Para Herrmann, o trabalho do pesquisador, ao conjugar as
áreas de geociências e jurídica permite um adequado equacionamento da nova
proposta, segundo o qual o modelo ideal se perfaz no estabelecimento de um
único domínio para as águas subterrâneas. “O atual modelo implementado pela
política nacional de recursos hídricos apenas limita-se a integrar e articular
a legislação da União com os Estados, em nada contribuindo para a independência
e o estabelecimento de um modelo de gestão dos recursos hídricos genuinamente
brasileiro, contemplando genericamente a bacia como um todo (hidrográfica e
hidrogeológica).”
Alves Júnior ainda revela que apesar de possuir elevado
nível de aceitação social e política por vários anos, o modelo francês
ultimamente tem sofrido críticas. “Principalmente quanto ao fato de sua
aplicação ao território brasileiro, pela sua complexa dimensão territorial e
riqueza em bacias (hidrográficas e hidrogeológicas). Em especial pelas
estruturas compartimentadas dos aquíferos que nem sempre coincidem com as
estruturas superficiais (rios, lagos, e correntes d’água)”, reforça.
Para o pesquisador Alves Junior, a legislação precisa
trabalhar à luz da realidade brasileira. “A natureza não pode se tornar refém
de remendos legais, notadamente ao que se afigura emergencial. À vista disso, é
preciso avançar no tema e propor um modelo mais adequado para as nossas
realidades, o que parece ser um fenômeno inevitável.”
Jornal Unicamp
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